Por Geraldo Nogueira
A arte de fazer malabarismos tem uma longa história que data de 2000aC. Originalmente, os arqueologistas em suas pesquisas descobriram desenhos em tumbas egípcias de mulheres fazendo malabares e esses registros não foram encontrados só no Egito, mas também na Índia, China, Grécia, Roma, Tebas e em outras regiões da Europa, sob a forma de ilustrações, pinturas e em livros.
O malabarismo no passado tinha o objetivo de entreter e de mostrar a sua arte as pessoas na rua, fato que ainda continua nos dias atuais. Os melhores malabaristas trabalhavam para as grandes cortes, com a função de entreter o público nas grandes festas e banquetes que os reis ofereciam a nobreza. Juntamente a essa arte urbana o lado circense sempre esteve presente. Na metade do século XX por já ser uma arte conceituada e de grande importância, ela passou a ter o seu próprio grupo que funcionaria como um sindicato, fomando o InternationalJugglingAssociation – IJA (Associação Internacional de Malabarismo).
Os malabares atualmente evoluíram para além das bolinhas, facas e clavas. Hoje ele é usado em uma diversidade muito maior podendo ser feito através de fitas, de objetos que utilizam o fogo e de argolas.
Em entrevista com um malabarista de Belém, Higor Tohany, mostra como esta arte está inserida nos dias de hoje além de contar um pouco como foi o seu primeiro contato com os malabares, fatores sociais e sobre o que esperar para o futuro e suas experiências.
O primeiro contato
Geralmente, o malabarismo é conhecido na infância pela maioria das crianças através das artes circenses, mas atualmente pode ser vista em uma volta rápida na cidade. Em cada esquina se vê alguém fazendo malabarismo e não diferentemente disso o nosso entrevistado que é malabarista profissional conta que conheceu o malabarismo há cerca de 3 anos, porém foi lá que ele obteve a visão mais profissional desta arte, vendo a como algo maior do que uma simples brincadeira. O seu primeiro malabare foi feito em casa, com 2 reais, onde o Swing Poi foi o seu escolhido. Para aprender malabares na era digital, é só recorrer a internet e procurar tutoriais e vídeos e passar horas por dia treinando.
É comum quem está aprendendo não largar os malabares, exceto para comer e tomar banho. “Ele andava comigo para todos os lugares, não sai da minha mochila, ia comprar pão malabares, acordava e já pegava nele ai eu dominei ele e em 6 meses eu já tinha um resultado bom” conta Higor.
Além do circo e das esquinas, os malabaristas são atração em diversos festivais, principalmente os de música eletrônica, pois agregam valores de diversas formas de arte em um único evento e trabalham com mais uma ferramenta de entretenimento além da música e vídeos. Em entrevista pergunto qual foi a sensação de ver os malabaristas em uma grande festa e peço que ele me conte qual foi a sua reação. Ele me conta que já tinha visto aqui em Belém, mas que foi mesmo em uma festa, o Festival Fora do Tempo, evento que ocorre anualmente no Maranhão, que ele viu que aquela forma de arte era muito bonita e isto despertou nele uma curiosidade e isso fez com que ele procurasse a conhecer mais sobre os malabares e neste momento ele iniciou o seu treino para se tornar o que é hoje, um malabarista profissional. Hoje ele faz malares nestas mesmas festa e em outras aqui como foi por conta própria no Festival Se Rasgum.
“Tem pessoas na cidade que fazem um trabalho legal e poderia ser associado a artes dos malabares com outras artes, fazer um insight no publico e produzir uma parte lúdica além da música, fazendo uma arte colorida, algo abstrato.” Ressalta Higor.
O dia-a-dia
Sabe-se que atualmente os malabaristas vivem nos grandes centro e que atuam trabalhando e ensinando a sua arte a quem se interessar mas é nos sinais que a vida deles acontece. Após cada apresentação eles esperam que as pessoas tenham apreciado o seu trabalho e o incentivem através de pequenas contribuições, assim como em um circo, onde se paga um ingresso para se ver um espetáculo, neste caso, espetáculo diário e exaustivo, sob sol ou chuva e de pequeníssimas proporções.
Sobre os seus ganhos, o malabarista Higor fala sobre como ele utiliza os ganhos que recebe trabalhando nos sinais. “utilizo o dinheiro pra diversas utilidades, como comprar novos materiais pra malabares, comprar tintas para incrementar o figurino, compro lanches pra comer, sorvete, cinema, pagar a internet, essas coisas. Talvez dê pra se sustentar com isso, mas não se encaixa no meu perfil porque tem que se dedicar muito tempo pra isso, um dia inteiro pra se conseguir um ganho bom”.
Quem acha que é fácil chegar no sinal, ensaiar uns movimentos e depois sair estendendo o chapéu em busca de um trocado pode procurar o que fazer pois os malabaristas são mais do que simples artistas. Eles trabalham diretamente com as oscilações do humor que a cidade tem. Belém ainda é uma cidade de tamanho relativamente pequeno, mas com cerca de 2 milhões de pessoas é fácil ver muita gente mal humoradas que não conseguiu passar no sinal amarelo e teve que ficar lá olhando para o malabarista e mais um monte de gente atravessando a rua.
“A arrecadação varia em cada cidade, depende da personalidade dela, do astral das pessoas, do dia. Tem gente que consegue convencer mais pessoas e isso aumenta o lucro, tem gente que não. Também depende do dia do pagamento das pessoas, onde elas estão mais felizes, estão indo no supermercado, daí passeiam e assistem a gente e se sentem mais motivadas a contribuir. Não é só fazer os malabares, tem que trabalhar o humor da pessoa também. Na mídia só mostra coisas ruins da cidade e as pessoas reclamam disso, elas fecham a cara e nem sempre é fácil mudar isso. Com a gente também acontece a mesma coisa, as vezes não estamos bem com nós mesmos. O meu maior ganho foi em um feriado, daí tinha muita gente mesmo nas ruas, era um feriado religioso, eu tirei 50 reais trabalhando duas horas. Talvez as pessoas estivessem muito felizes nesse dia. Eu tenho um amigo em Goiania que em um dia normal faz 50 reais por dia. É como se fosse um emprego, mas é um suor muito mais vantajoso porque e é um cansaço que vale muito mais a pena porque a gente não trabalha pra ninguém, mas tu trabalha pra ti inteiramente, mas tu cria problemas musculares, tem que fazer exercício físico e tem que se alongar, tem que trabalhar isso, tem que cuidar do corpo e também a gente trabalha com fogo nos sinais então tem sempre um risco e também os carros que furam o sinal vermelho, é perigoso.”
Malabarista é o artista circense que trabalha nas ruas e fica quando o circo vai embora.
O Malabarismo
Apesar de ser uma arte de longa data, a parte sobre história é fundamental para entender a evolução desta profissão e esta informação mínima é desconhecida pela maioria dos profissionais. O centro de Belém hoje está cheio de crianças que trabalham em busca de dinheiro para seu próprio sustento, porém uma educação básica sobre Arte Circense e Malabarismo nunca lhes foi ensinada e do jeito que está nunca vai ser. Antigamente o governo disponibilizou a Escola Circo, local onde as crianças mediante boas notas e regularmente matriculadas nas escolas podiam participar e aprender o que acabava a ser uma nova profissão. Com o término dela, o governo deixou mais uma vez estas crianças órfãs de mais um serviço disponibilizado gratuitamente. O que se vê hoje é um problema social sério onde centenas de crianças ao longo da Grande Belém ficam nos sinais e acabam usando o malabarismo para comprar drogas, para roubar os que estão parados no sinal, ou seja, se o problema foi recursos materiais e humanos para dar continuidade ao projeto Escola Circo, outras dezenas de problemas foram criados em detrimento deste projeto.
“Eu uso o malabare Swing Poi, é uma corrente com uma tocha na ponta e na outra uma dedeira, um pegador, é como se tu formasse um pendulo em uma das pontas e ele balança, é parecido com um Nun Chaku, e aquele peso fica muito reto, da pra fazer muitos movimentos com ele. Eu sei utilizar esses coloridos. O resto é outra modalidade de malabarismo, clavas, facas e bolinhas, eu não domino isso, mas eu sei brincar. O meu malabares mesmo é o Swing Poi”, explica Higor.
Em entrevista, uma questão que me preocupa bastante é a forma que esta arte é trabalhada no cotidiano da cidade, qual forma que mais pessoas assim como o nosso entrevistado faz para que mais pessoas possam utilizar esta arte não para ganhar dinheiro nos sinais, mas para que ela aprenda esta antiga forma de Arte.
“Nós trabalhamos com Arte e Educação com malabarismo. É possível trabalhar o corpo, trabalhar a disciplina, a coordenação motora e a intuição. Eu tenho muito equilíbrio com o meu corpo, consigo me levandar, ficar num pé, ir na frente e fazer uma dança, tudo isso fazendo os malabares. O primeiro passo é ensinar as crianças a fabricar o seu malabare e incentivar que ele brinque com eles, porque antes de mais nada, é um brinquedo, então é preciso ensinar como utilizar isso. A gente tem uns trabalha através do Coletivo Samauma, mostrando os malabares pras crianças, deixando eles brincarem, já deixando terem o primeiro contato e ficarem mais curiosos. A gente trabalha com pedagogia, arte e educação e permacultura lá no Instituto Refazenda, a gente ta encaminhando para virar um instituto que é uma unidade demonstrativa de Permacultura, localizado em Santa Bárbara. É aberto a visitações de colégios públicos e particulares. Até o momento seria o único aqui para trabalhar com teatro trabalhando a arte e educação relacionada ao meio ambiente. Em junto a isso a gente ensina a arte dos malabares e ecopedagogia”.
É comum que as crianças se interessem num primeiro momento a este tipo de projeto, mas sem um suporte adequado e uma disciplina proposta entre os organizadores de vários projetos semelhantes que Belém teve e ainda tem, as crianças acabam por se distanciar ou levar o que aprenderam pra um caminho errado, fato muito comum no centro de Belém. Infelizmente este fato é confirmado pelo entrevistado, que afirma que há crianças que se desassociam do projeto mas em contrapartida, quando eles vêem a parte lúdica, quando se mostra um personagem com a cara pintada e fazendo malabares, isto desperta nelas uma vontade de aprender mais aquela Arte e dessa forma é possível prender a atenção dele e fazer com que ele continue tendo interesse no malabarismo.
Pergunto se as crianças, que a gente vê em estágio de degradação, fazendo malabares nos sinais de Belém, são crianças de projetos mal sucedidos, ou se isto não tem nada haver com a outra. “Não tem nada haver não. O sinal é algo místico. O sinal é um lugar sagrado pros viajantes intinerantes, eles se apresentam nos sinais, nas praças e mostram um pouco deles, mas não é uma arte completa . No sinal hoje as crianças percebem esses viajantes de uma maneira lúdica, mas também percebem de uma maneira deturpada que é o que a sociedade diz que eles precisam, necessitam de dinheiro, que é o artista pelo dinheiro, mas esse dinheiro é necessária pra eles se manterem, pra ir a outras cidades, comprar figurinos, pra viver uma vida nômade. Hoje as crianças nas cidades vivem uma realidade mais deplorável, não é aquela coisa colorida toda, aquela coisa lúdica que é o circo, ou nos da pena ou nos horroriza e causa indiferença em algumas pessoas. Eu acredito que o artista vá viver um momento fora dos sinais e depois devolta a eles. Nesse primeiro momento eles teriam que sair dos sinais e ir ensinar a arte deles, fazer oficinas, se organizar, buscar conhecimento e montar grupos. As pessoas iam gostar de botar os seus filhos em uma escola de circo por exemplo, todo sábado na praça, as crianças iam lá brincar, iam aprender e isso seria bom. “ conta Higor sobre o que ele espera do futuro desta arte que é o malabarismo.
“Nós temos o banco de projetos onde estamos aprimorando os estudos pra trabalhar com os editais, principalmente o da Semear, e estamos somando os conhecimentos dos membros para incluir algumas coisas nos nossos projetos, como pedagogia, permacultura, tudo isso pra melhorar o Coletivo Samauma e para 2010 melhorar as nossas ações através de arte e educação somado a ecopedagogia. Já temos até um blog que (www.samauma.wordpress.com), onde tem os nossos vídeos, nossas vivencias no sítio, trabalhos desenvolvidos e claro, o sitio em Santa Bárbara está aberto a visitação”. Explica Higor em nome do projeto que faz parte, o Coletivo Samauma.
O sinal
“A indiferença faz a gente apenas a não olhar”, primeira frase que o malabarista nos diz quando eu pergunto sobre as pessoas que param e olham com indiferença, com nojo das pessoas que estão ali nos sinais e ele conta que essa reação das pessoas é fruto dos maus artistas que ao longo dos anos usavam esta profissão para roubar as pessoas ou para conseguir dinheiro e fazer alguma coisa errada e talvez com a ajuda dos próprios malabaristas esta situação mude, pois o sinal é sagrado, é nele que se recebe os artistas que viajam de cidade em cidade para divulgar e aprender novas formas de arte.
Aos domingos na Praça da República tem pessoas que fazem malabares utilizando facas, com fogo, danças e isso mostra que a cidade está tendo um crescimento maior sobre isso e apresenta as pessoas sérias pra fazer isso, pergunto se ele também tem esta mesma opinião. “Sim, as pessoas tem gostado muito, param pra ver. Na Duque por exemplo é lá. É a via do malabarismo de Belém. Lá aparecem artistas de verdade que se preocupam em fazer um figurino, que mostram um sorriso, mostram sua arte e depois vão pras suas casas e cuidam das suas famílias, que investem mais em si mesmos, nos personagens e também de poderem conseguir sustentar um sonho pois o artista não gosta de ficar num mesmo lugar, ele gosta de viajar e mostrar mais da sua arte em outros lugares e a outras pessoas. As vezes um sinal é pequeno demais então tem que haver uma divisão, é por isso que as vezes as pessoas se dividem em mais pontos ao redor da cidade para poder ter uma rentabilidade melhor”.
Finalizando, pergunto sobre sua vida profissional, se ele vai fazer algum curso superior e como eu já suspeitava ele me diz que escolheu o curso de biologia, que quer fazer pois ele deseja estudar a vida nos seres. “Eu estou fazendo cursinho e vou fazer a prova da UFPA pra Biologia. Eu penso mesmo em fazer doutorado. Estudar o comportamento animal, trabalhar com os seres vivos através da observação. Malabares é algo que manifesta em mim uma expressão artística muito bela e isso pra mim é mágico, porem existe um conhecimento que o meu pai sempre preza que é o de ir a uma faculdade, se formar e arrumar um emprego fixo, mas eu não concordo com a forma que é posto. Temos sempre que mostrar para o outro que alguém é superior a ele, sempre há questão da competição e isso faz com que a pessoa desista. E hoje pra passar no vestibular não é testado conhecimento, a prova é cheia de pegadinhas e lá no cursinho os professores dão os macetes pra não cair nessas pegadinhas e eu quero mesmo é fazer biologia, pois eu adoro estudar a vida, é algo que está em mim desde sempre”.